quarta-feira, 9 de julho de 2008

Lição

Tenho um "tio" meu numa unidade de saúde de cuidados paliativos que está, basicamente, à espera de morrer. Tem um cancro num estado bastante avançado e sem qualquer perspectiva de tratamento.

Não é uma pessoa que me seja muito próxima (nem familiar, nem afectivamente), não é uma pessoa com quem tenha convivido muito, não é uma pessoa que eu conheça especialmente bem. Porém, deu-me uma das maiores lições de vida.

O Ti António nunca foi uma pessoa de posses. Nasceu numa família pobre e viu-se na obrigação de, muito cedo, trabalhar para ajudar a sustentar a família. Logo, não teve a possibilidade de ter grandes estudos. Teve uma vida dura, semelhante à de tanta gente que procurou na agricultura um futuro melhor para os seus filhos. E conseguiu-o.

Numa das últimas vezes em que falei com ele, andava o homem a carregar lenha de um lado para o outro e eu, de férias, aproveitei para meter conversa. Começámos a falar, a falar... Nem me lembro já como começou, mas sei que ele me contou inúmeras histórias da vida dele. A sua estadia no exército, as suas peripécias de jovem a trabalhar para grandes proprietários, etc, etc...

Durante mais de uma hora fui conhecendo um pouco mais aquele familiar e rindo-me bastante com os episódios caricatos que relatava. Contudo, a conversa foi-se tornando mais séria. Falámos sobre as dificuldades da vida, os problemas que o homem enfrenta para conseguir ser minimamente feliz. E, nessa altura, ele disse-me algo que acho que nunca irei conseguir esquecer. Com um ar sério, de quem faz a declaração mais fulcral da sua existência disse-me:

-Quem me dera ser a pessoa mais miserável do mundo.

Perante o meu olhar desconcertado, completou com simplicidade:

-Assim saberia que não haveria ninguém em maior sofrimento.

E o Ti António não dizia isto por ser masoquista, nada disso. Ele simplesmente não suportava a ideia de que houvesse gente que vivesse pior que ele, preferia ser o mais desgraçado, para que o resto do mundo vivesse melhor.

A conversa terminou e segui o meu caminho, pensativo.

Nunca conseguirei fazer a afirmação que ele fez, sou demasiado fraco, mas ainda bem que ainda há gente assim no mundo. Obrigado.

Um comentário:

JoaoR disse...

E que grande lição... =O