domingo, 28 de dezembro de 2008

Ano novo?


Passou mais um Natal, aproxima-se um novo ano. Embaladas por uma época de suposta paz e harmonia, as pessoas enchem-se de expectativas para o ano que se avizinha.

"Vamos começar de novo"
"Este ano é que vai ser"
"Agora é que isto vai mudar"
"Finalmente vou ser feliz"

Fazem-se promessas à mesma velocidade que se abrem garrafas, ganha-se esperança a cada passa que se come. Abraçam-se os amigos e os estranhos. Celebra-se.

Mas celebra-se o quê? O que tem de tão especial o início de um novo ano? Não consigo perceber. Como acordo cedo e não ressaco, o dia 1 tem sempre um "sabor" estranho para mim. É a mesma vida, o mesmo mundo, as mesmas pessoas. A única coisa menos usual é a secura que sinto na boca.

Ano novo vida nova, diz o povo. Onde é que reside aqui a sabedoria popular? Celebra-se a expectativa de uma vida melhor e tenta-se esquecer os momentos de desencanto, ao som das badaladas e dos foguetes.

Só um pretexto para a festa... Ou será que é verdadeiro motivo de festa?

Não sei responder, mas sei que também vou festejar!

Bom 2009!

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Dia de Natal

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Mas porque é que a gente não se encontra?

Descobri esta música numa daquelas coincidências que dariam para escrever um post, mas, como não me apetece alongar-me, dou espaço ao que de melhor há no nosso país, pela voz de Ana Moura. Deliciem-se.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Partilha literária

"Há quanto tempo não consigo dormir? Entro na noite como um vagabundo furtivo com bilhete de segunda classe numa carruagem de primeira, passageiro clandestino dos meus desânimos encolhido numa inércia que me aproxima dos defuntos e que o vodka anima de um frenesim postiço e caprichoso, e as três da manhã vêem-me chegar aos bares ainda abertos, navegando nas águas paradas de quem não espera a surpresa de nenhum milagre, a equilibrar com dificuldade na boca o peso fingido de um sorriso."

António Lobo Antunes, Os Cus de Judas

sábado, 6 de dezembro de 2008

Frase do dia...

Errar, errar sempre, errar cada vez melhor.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Nem tudo é composto de mudança...

Hoje tive a oportunidade de viver um momento que há já muito tempo não saboreava.

Com a mudança de uma vida académica relativamente rotineira para uma vida científica de "trabalhas quando quiseres, desde que apareça feito" deixei de me cruzar com a criançada das escolas no percurso da carreira 750 da Carris.

Por uma junção de factores que apenas a Maya ou o Professor Mambo podem explicar, hoje voltei a aturar os putos. Por putos entenda-se rapazes e raparigas entre os 10 e os 14 anos que, numa gritaria infernal, invadem o autocarro por entre corridas, caldos, rasteiras, insultos e outras práticas habituais em miúdos de bairros "especiais".

Talvez por já sentir falta daquele rebuliço, a perturbação não me incomodou nada, antes pelo contrário... Ao ouvir o grito "Olhó Enta!" e ao ver miúdos de impermeável a correr à chuva com malas desproporcionalmente grandes às costas num último esforço para não perder o autocarro, não pude deixar de esboçar um sorriso.

Afinal, nem tudo muda.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Chuva, frio...

...dias destes agradam-me.

Gosto de sentir a chuva bater-me no rosto enquanto caminho por ruas semi-desertas. Gosto de meter as mãos nos bolsos, o capuz na cabeça e vaguear (ou vadiar) sem destino ou direcção definida. Gosto dos tons escuros das nuvens. Gosto de ver as folhas coladas no asfalto. Gosto de ver os repuxos luminosos do Jardim dos Aromas. Gosto de abstrair-me de todas as dificuldades e problemas e simplesmente andar. Gosto de deixar o telemóvel, o dinheiro e os cartões em casa, andar sem relógio e não me preocupar com o tempo.

E foi isso que fiz ontem à noite. Andei, pensei em tudo e não pensei em nada, não tomei decisões nem grandes resoluções, limitei-me a andar pelas ruas da Buraca. Ignorei os cafés onde amontoados de casacos e guarda-chuvas se reuniam para beber uma cerveja e ver o Sporting. Limitei-me a andar.

Soube bem, mas não me trouxe nada de novo, nem mesmo uma constipação. Deixou-me apenas com uma música na cabeça...